quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O papel! Qual papel? O papel! Qual papel? O papel! Qual papel? O papel! Ah... qual papel?

Gosto dos "Gato Fedorento" (a pedido de várias leitoras, aqui fica corrigido o erro "Gatos Fedorentos>Gato Fedorento"). Gosto do modo como eles pegam nas situações do dia-a-dia, as "desmontam" e nos mostram o lado pretensamente sério das coisas através de uma visão completamente distorcida e cómica que, afinal, até está mais próxima da realidade do que parece à primeira.
A situação caricata que vou contar encaixa, perfeitamente, no tipo de humor dos Gatos e até já foi gozada no famoso sketch de onde tirei o título do post.

A maior parte da minha vida profissional foi passada numa grande empresa do Estado que, como qualquer organismo estatal que se preze, tinha um peso burocrático maior do que a Torre de Belém, o Cristo Rei e os Jerónimos todos juntos.
Imaginemos que uma manhã um operário se dirigia a mim e se queixava que a sua máquina deixara de funcionar. Eu, como responsável pelo sector, tomaria conta da ocorrência e emitiria um pedido ("papel") de reparação. Pedido ("papel") de reparação que seria colocado numa daquelas cestinhas onde se colocam os "papéis" que aguardam a vez de seguirem a "ordem burocrática das coisas".
Entre as 9 e as 10 horas uma senhora que tinha como função limpar os gabinetes dos chefes uma vez por semana e diariamente recolher e entregar os "papéis" do chamado expediente, levaria o meu "papel" até ao gabinete do engenheiro chefe de sector, que reunia numa cestinha igual à do meu gabinete todos os "papéis" provenientes das restantes oficinas do sector.
Entre as 10 e as 12 horas o engenheiro chefe de sector assinaria todos os "papéis" e depois de almoço, depois de uma manhã perdida entre cestinhas, o meu "papel" seria entregue num Gabinete de Gestão de Recursos cujo nome pomposo escondia uma falta de eficiência maior do que a de um TGV Lisboa/Porto a parar em todas as estações e apeadeiros.
Colocado noutra cestinha, ficaria em lista de espera até à manhã seguinte, pois a partir do meio da tarde as meninas do Gabinete de Gestão de Recursos estariam muito mais interessadas em antecipar o próximo episódio da novela da noite do que em despachar o meu "papel".
Ao segundo dia de viagem o meu "papel" seria então entregue a dois idiotas (eram mesmo dois idiotas, "corridos" de várias secções onde nunca tiveram uma boa relação com o trabalho) que, depois das duas primeiras horas do dia passadas a discutir o resultado do jogo Benfica/Sporting, se dirigiam à minha secção e avaliariam se a avaria era mecânica ou eléctrica. Avaliação que se resumia a perguntarem-me se a avaria era mecânica ou eléctrica, facto que nunca me deixou perceber muito bem porque raio aquele item não fazia parte do "papel" que eu tinha de preencher. Evitava a perda de um dia de produção e escusava a interrupção da principal actividade dos dois idiotas: discutir bola.
Concluindo-se que a avaria era eléctrica, os idiotas emitiriam outro "papel" que, depois de um percurso idêntico ao primeiro (cestinha, senhora do expediente, gabinete do engenheiro chefe do Gabinete de Gestão de Recursos, cestinha, assinatura, cestinha e por aí fora), seria entregue no Departamento de Reparações Eléctricas. Aí chegado seria supervisionado pelo chefe Manel, (depois de resolvido aquele problema do penalty de domingo) que o colocaria numa cestinha, em lista de espera até haver disponibilidade de pessoal. Um dia ou dois depois, seriam enviados à minha secção dois electricistas munidos de dois alicates e duas chaves de fendas que voltariam a interrogar-me sobre as características da avaria, se deslocariam à caixa de fusíveis que eu já tinha mencionado aos dois idiotas do Gabinete de Gestão de Recursos, concluiriam que era um fusível queimado. Um deles desligaria o quadro geral enquanto o outro sacava o fusível e, de seguida, dirigir-se-iam, mais os seus dois alicates e as duas chaves de fendas, ao seu Departamento de Reparações Eléctricas onde o chefe Manel preencheria a requisição ("papel") de um fusível ao armazém.
Nem vou contar o trajecto deste último "papel", porque é igualzinho aos outros dois. Direi, apenas, que chegado ao armazém pela mão de uma outra senhora do expediente, ficaria noutra cestinha a aguardar a sua vez e, com alguma sorte (a sorte nestes casos depende da hora de chegada do "papel" e da evolução da discussão sobre o fora-de-jogo do Porto/Guimarães de sábado passado), seria aviado na manhã do dia seguinte e entregue – por um tipo que andava num carrinho a baterias a distribuir objectos do tamanho de fusíveis – no Departamento de Reparações Eléctricas, onde ficaria mais um ou dois dias, aguardando disponibilidade de pessoal.
Dois dias depois, dois electricistas (os tais dos dois alicates e duas chaves de fendas, lembram-se?) deslocar-se-iam à minha secção, colocariam o fusível no respectivo suporte e eu poderia, ao fim de uma semana de máquina parada, retomar a produção que iria pagar o ordenado às senhoras do expediente, aos engenheiros de assinaturas, aos dois idiotas que se limitavam a perguntar porque é que a máquina parou, aos electricistas e respectivo chefe de secção, ao gajo que passava o dia a roçar a gaita no balcão do armazém, enquanto se imaginava na cama com a boazona da contabilidade que todos os dias passava ali à porta a abanar a "peidola" e ao tipo que precisava de um carrinho a baterias para entregar objectos do tamanho de fusíveis.

Esta seria a maneira oficial de resolver uma avaria num fusível, porque na realidade, o tão mal visto "desenrascanço" português resolveria o problema do seguinte modo:

- Ó Manel, arranja-me aí um gajo que me vá ver uma máquina que "morreu", que eu amanhã mando-te o "papel". Deve ser fusível, porque o cabrã* do Mendes enfiou duas peças de uma vez...
- É pá, isto está mau de pessoal, mas eu vou contigo. Bora lá despachar isso!
Retirado o fusível queimado o chefe Manel ia ao armazém e:
- Ó Rodrigues, dá-me aí um fusível igual a este, que eu amanhã mando-te o "papel".
- Fo*a-se pá, é sempre a mesma mer*a. Vocês querem tudo sem "papel" e um gajo é que anda sempre com a escrita baralhada.
- Não te armes em parvo, Rodrigues. Quando me voltares a aparecer na oficina a pedir que te repare o auto-rádio avariado, eu também te peço o "papel", tá bem?
Meia hora depois o chefe Manel electricista muda o fusível e a máquina recomeça a produzir.
- Obrigadinho, Manel. Ao almoço pago eu a bica, ok?
- Pagas a bica e uma Macieira, porque isto de ser o chefe a fazer o trabalho sai mais caro.
- Tá bem. Beijinhos aos meninos!

Agora pergunto:
Se dois gajos que nem sequer são tidos nem achados nos processos decisórios de uma empresa maior do que um porta-aviões, conseguem resolver em meia hora uma avaria que, pelo modelo de gestão oficial levaria uma semana, será que o problema do país é mesmo falta de quadros altamente qualificados?
É "cagente" também sabemos escrever o suficiente para assinar o nome no "papel"...

12 comentários:

Malena disse...

O papel! É a coisa que mais me irrita! Pode-ss ser o melhor funcionário do mundo, exercer as funções com muita eficiência mas...se não há papel, não tem Bom na avaliação, ouviu? E muito menos entra nas quotas do Mto Bom e do Excelente! São as disfunções da burocracia. Haja muiiiita paciência!

Malena disse...

*pode-se ;-) Não é erro! eheheh

Pronúncia disse...

Acabaste de nos mostrar muito bem um caso prático de... burocracia no seu melhor!

Cor do Sol disse...

Quando tiver algum tempinho venho cá ler isto tudo... Ando tão cansada e tu escreves testamentos. Raisteparta :P

Beijo

uminuto disse...

eheheh fiquei aos papéis com a leitura do texto. resumindo e para não gastar muito papel digo apenas que aqui está um óptimo exemplo de como se podia poupar tempo e recursos se as burocracias não fossem tantas como são
um beijo e gostei de passar por aqui

L!NGU@$ disse...

Parei de ler em "dos Gatos Fedorentos". Não consigo ler quem dá erros destes.

Também não dizes/escreves "os Deolindas", quando te referes aos elementos do grupo musical Deolinda, ou dizes/escreves? Ou "os Donnas Marias", quando o grupo é o Donna Maria. And so on...

Anjo De Cor disse...

tanta burocracia que temos sempre pela frente....
Bjs e bom fds*

Galo disse...

Linguas

Por mim até podias parar antes e ir apanhar no cu, que eu não me ralava.
E tu, se calhar, também não.

Malena disse...

Para o Línguas: erro é não ler o português que interessa. Se lesse o texto veria que tem tudo menos erros. Agora "pluralizar" os nomes dos grupos...BAH! Que erro!!!!

Olhos Dourados disse...

E olha que o simplex do Sócras é do mesmo género!

eme disse...

Por acaso eu ia perguntar se teria sido antes ou depois do simplex, a olhos dourados teve a mesma ideia!
É que diz-se por aí, que o simplex melhorou a olhos vistos a vida das pessoas.LOL

L!NGU@$ disse...

Ahahaha! Obrigado por este momento.