quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Presunção e água-benta

Ao contrário de alguns bloggers, que têm o hábito de responder aos comentários, eu raramente volto a um post antigo. Foi assim que, depois de ter respondido a um comentário no post Pregar aos Peixes, só ontem dei conta de que na contra-resposta tinha um comentário do mesmo teor do primeiro e tão interessante que resolvi escrever este post, dando assim um esclarecimento mais profundo do que seria possível num comentário.
Para evitar mal-entendidos e tomadas de posição que possam de algum modo interferir com a boa relação entre todos os meus estimados "fregueses", decidi transcrever apenas a parte dos comentários que me parecem dignos de resposta mais elaborada e bloquear o acesso à janela de comentários do post em questão e do presente.
Posto isto, e com mais uma ressalva para o facto de esta troca de comentários ter sido feita em tom mais ou menos brincalhão, como é da praxe nesta casa, passemos então à análise dos factos.

1º comentário - E mais... essa conversa do aprender de borla fica-te mal. Pareces um velho de 50 anos a falar. Calma. Tu também já fizeste o mesmo e se não o fizeste devias ter feito.

Resposta – É só fazer as contas, ou andaste na escola do Guterres? Eheheh

2º comentário - Tu até podes ter 70 anos, desde que não tenhas mentalidade de 50 anos. Percebes? Pareces-me uma pessoa bastante evoluída, logo evolui no resto também...

A isto, cara P, eu poderia simplesmente adoptar a postura arrogante das pessoas que julgam saber tudo, "percebes", e dizer que nesta, como em muitas outras matérias, não recebo lições de ninguém. Ou de que nem todas as pessoas estarão em condições de me dar lições de vida. Ou ainda de que não é crime ter mentalidade de 50 anos, ser gordo, loiro, preto ou azul às riscas e que já basta às pessoas de 50 anos serem discriminadas na busca de um emprego onde ganhem o sustento de que necessitam tanto como as de 30 anos, ou ainda que a mentalidade de uma pessoa de 50 anos é tão susceptível a reprovações quanto a mentalidade de pessoas de 30 anos retrógradas e mal formadas.
Mas eu sou uma pessoa evoluída, sim. Modéstia à parte, considero-me e, para que conste, sou considerado por quem me conhece bem, um gajo muito evoluído em relação à minha faixa etária e ao meu estrato social e, como tal, nasci com a capacidade de entender que temos sempre lições a aprender, mesmo de pessoas retrógradas. A vida é, ela própria, uma lição e se com os bons aprendemos a ser bons, com os maus e retrógrados aprendemos a ser melhores do que eles. Infelizmente para o Mundo, nem toda a gente nasce com a capacidade de receber os ensinamentos importantes que a vida tem para lhes dar. Hoje, amanhã e até ao fim da vida, batem com a cabeça no mesmo lado da parede e não mudam uma "vírgula" no seu modo de enfrentar os problemas. Talvez pensem que como errar é humano, deixar de errar deve ser uma coisa tenebrosa e desumana.
Como diz o ditado: só os burros é que não mudam.
É evidente que eu também já tive a idade da minha filha. E porque tive uma infância mais infeliz do que alguém merece, senti necessidade de ser melhor pai do que os que tive. Um pai carinhoso, companheiro, dedicado, responsável e sempre presente em todas as ocasiões. TODAS! As melhores e as piores ocasiões. O que faço agora com a cadela, rebolar-me no chão da cozinha e estar sempre disponível para a tratar e educar, fi-lo em devido tempo com a filha. Ensinei-lhe e continuarei a ensinar, sempre que for necessário e ela esteja receptiva a aprender, que só somos ouvidos e respeitados se soubermos ouvir e respeitar os outros. Que se não formos exigentes e empenhados no que fazemos, dificilmente teremos o respeito daqueles a quem exigimos empenhamento. Que este Mundo é bem mais cruel do que parece.
Todos nós somos o resultado do património genético que herdámos, somado ao que a vida fez de nós e, por conseguinte, à minha postura de rectidão não será, por certo, alheio o facto de três quartos da minha vida activa ter sido "moldada" por um certo rigor militar.
Tês anos de serviço militar obrigatório, gratuito e muito duro de roer (renderam-me este ano 75€ de pensão vitalícia, vá lá...) e os restantes como civil numa instituição militar que até muito depois da revolução, até muito depois das pessoas terem a liberdade mal agradecida pela qual lutaram os gajos com mentalidade de 50 anos, foi regida pelo RDM (Regulamento de Disciplina Militar), fizeram de mim muito do que hoje sou como pessoa e de que muito me orgulho. Muito do que aprendi, sobre ética e sobre valores que hoje são para mim fundamentais, aprendi-o com militares (até um professore de português era militar). E se nunca fui um fervoroso militarista – recusei até uma proposta para seguir a vida militar – tenho de reconhecer que ainda é na instituição militar que vemos preservados muitos dos valores que a sociedade civil coloca todos os dias nas ruas da amargura e serão sempre os militares a dar a vida pela pátria, ainda que a pátria seja esta merda que temos.
A ética, o rigor, a disciplina e a honestidade, são valores perfeitamente compatíveis com amor, carinho, dedicação, altruísmo, camaradagem com que sempre regi a vida e, em especial, a paternidade. O resto, as conversas sobre carros, motores e óleo derramado, são meros percalços do dia-a-dia, discutidos de igual para igual nas horas em que conseguimos estar juntos, porque "lutamos" para estar juntos, porque juntos temos sido muito felizes.
Lições, como disse, aprendemo-las todos os dias. Em cada um dos 11.500 dias que já levo de casado. E, querem lá ver, por vezes ainda passeamos de mão dada.
Lições? Tenho algumas para dar e muitas mais para receber.