Às vezes fico a pensar que, aos olhos de algumas pessoas, eu devo parecer burro, otário, anjinho, tanso… mas depois, pensando melhor e olhando para trás, sinto-me como um bom carro, daqueles já com muitos anos, com o conta-quilómetros a dar a terceira volta, mas sem queimarem uma gota de óleo (nesse aspecto também tenho de reconhecer que já vou fazendo um pouco do tradicional fumo azulado, mas aguento-me…), sem fugas no radiador e sempre a pegar à primeira (dizem que quem um dia experimente "pegar de empurrão", não quer outra coisa…) e sempre a chegar ao destino. Devagarinho, sem grandes acelerações, algumas paragens para arrefecer o motor, mas sem nunca ter deixado passageiros em terra, nesta viagem que é a vida.
Ao meu lado mora uma sexagenária, viúva de ex quadro médio de uma empresa inglesa no Moçambique da era salazarista, mãe de três filhos adultos, casados e pessoas "muito bem na vida", pelos padrões desta sociedade miserável que se habituou a catalogar cada indivíduo de acordo com os bens materiais ou os "canudos" que possuem.
A seu cargo a dita senhora tem uma cadela, propriedade de um dos filhos que, ao casar, parece ter sido forçado a escolher entre a cadela e a mulher e, pelos vistos, optou pela segunda (de quem já tem um "cachorrinho").
O animal é, desde há alguns anos, a companheira fiel da sexagenária que, sobrevivendo com uma pensão de quem nunca teve emprego, está dependente dos filhos para o pagamento da renda (mais de 300€) e das consultas da cadela ao veterinário.
Nos últimos dias a senhora tem andado muito triste. Um dos filhos, casado com uma madeirense, está de férias na Madeira e ela tem saudades do neto. E para piorar as coisas, a cadelita tem um tumor numa mama e vai ser operada brevemente. A operação vai ser cara mas o dono (o filho recentemente casado) vai arcar com as despesas. O que a senhora não pode é mencionar, na presença da nora, os 350€ necessários, pois o filho vai dizer-lhe que custa menos.
É isto que eu não consigo perceber. Então um fulano casa e em vez de construir uma relação de confiança com a pessoa com quem está disposto (estará?) a viver o resto da vida, prefere viver uma relação "envenenada" à partida por segredos e mistérios e contas e gastos escondidos da parceira? Não consigo perceber, porque eu nunca vivi assim (e nem por sombras me considero uma pessoa "bem na vida") e nunca me passaria pela cabeça fazer uma despesa sem que isso fosse do conhecimento da família que eu escolhi.
Acho muito estranho ouvir um tipo queixar-se que não pode entregar o cartão de crédito à parceira, porque ela gasta demais. Por norma fazemos as compras "extra" em conjunto (não se esqueçam que "ainda saímos de mão dada"). Acho estranho porque na minha casa sempre tivemos contas conjuntas (cada um tem o seu banco e a sua conta-ordenado), às quais qualquer um tem acesso. Qualquer um tem acesso aos cartões Multibanco e Visa (por acaso eu ando sempre com o Multibanco "dela", porque ando mais na rua e faço as compras para casa), ambos sabemos o dinheiro de que dispomos ("ela" nem por isso, pois prefere que seja eu a encarregar-me do "orçamento familiar") e não me estou a imaginar a tomar uma decisão que envolvesse gastos extra, sem o prévio conhecimento da minha "sócia" nesta empresa onde, cada um de nós, assumiu metade das cotas de livre e espontânea vontade.
Chamem-me burro, chamem-me otário, anjinho, tanso, mas ao fim de tantos quilómetros de jornada, confesso que não me arrependo de nada. Pelo contrário, acho que não ia conseguir viver com uma pessoa que me escondesse, ou a quem eu tivesse de esconder, o que quer que fosse.
Posso até andar a ser enganado (dizem que o corno é sempre o último a saber), mas prefiro uma inocência feliz, a viver num ambiente de desconfiança permanente, com cada um a puxar para o seu lado.
Há 2 anos
6 comentários:
Olá!
Cá em casa passa-se o mesmo:=)
Oiço amigas dizerem que fizeram um extravagancia...mas o marido nem sonha...
Era o que mais faltava...
O maridão sabe de tudo...e eu penso que também sei de tudo:=)))
Nada na manga, duas contas onde os ordenados são depositados, com livre transito, para os dois...
:=)
Beijocas
A relação que vivi também era assim: conhecimento pleno de ambas as partes. Mas conheço de bem perto um caso desses. Um caso em que o marido "tem" que enganar a mulher no valor que recebe de horas extra para poder comprar o jornal todos os dias, para poder lanchar fora ou até comprar um livro (que quando aparece emm casa, foi sempre oferecido ou emprestado sem data para devolução) porque ela controla-lhe tudo e dá-lhe tipo 2€/dia. Mas pronto, são opções de vida. Fazem grandes amortizações na casa e compram carros a pronto devido á gestão dela. E atenção que ele diz que sem ela não era nada. lol
Isso é até RIDÍCULO. Mulher que se chateie com um homem por ele AJUDAR a mãe, só pode ser parva. Eu teria até muito orgulho se visse que marido meu se preocupava com a mãe (apesar da senhora poder eventualmente ser um veneno). :P
Eu acho que tu tens razão, uma relação tem de haver confiança.
Era o que mais faltava, não poder ajudar a minha mãe porque o respectivo não deixa. Ia já de vela.
Eu sou gastadora e desorganizada, mas só gasto o que posso. No dia que tiver alguem "para o resto da vida" tem que ser organizado.lol.
Tens razão confiança e sinceridade acima de tudo ;)
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